A família em foco’

Nos dois grandes musicais em cartaz na cidade, o ponto em comum é o núcleo familiar.
C&N

Quando criança, em plenos anos 1960, além das cultuadas séries A Feiticeira e Jeannie é um Gênio, duas estranhas famílias disputavam minha atenção nas tardes televisivas: Os Monstros e a Família Addams. Curiosamente, as duas séries estrearam e encerraram praticamente na mesma data nos EUA: a Família Addams durou de 18 de setembro de 1964 a 2 de setembro de 1966, pela ABC, e Os Monstros foram de 24 de setembro de 1964 a 1º de setembro de 1966, pela CBS (no Brasil, sem contar as reprises, as séries passaram alguns anos depois). E o mais curioso é que o enredo das duas séries era praticamente o mesmo: uma família, que se considera absolutamente normal e, aos olhos da sociedade é completamente estranha. Seus padrões de beleza e comportamento são o inverso do considerado aceitável pelos outros, de fora de seu círculo, e era justamente nisso que residia toda a graça das séries. Eles eram estranhos para nós, e se adoravam como eram. Maior lição de aceitação e tolerância, impossível.
E é justamente uma destas famílias que está em cartaz agora na cidade, no que provavelmente deve se tornar mais um grande sucesso dos palcos musicais de São Paulo: A Família Addams, o Musical.
Baseado nos personagens de cartoon criados por Charles Addams (e, segundo consta, baseados em sua própria família) para a revista The New Yorker, depois adaptados para a televisão, na série da ABC, e transportados para os palcos da Broadway em 2010, A Família Addams, o Musical tem libretto de Marshall Brickman e Rick Elice, com letras e música de Andrew Lippa. Considerado por muitos como um musical que não fez sucesso na Broadway (dedução bastante questionável, considerando-se que ficou em cartaz por dois anos e meio, com 722 apresentações e rendendo US$ 64 milhões), A Família Addams chega ao Brasil - o primeiro país a receber uma montagem do show fora dos EUA - completamente revisado com relação à sua concepção original, com modificações que vão do texto às canções, elaboradas durante o desenrolar da temporada da peça, e durante as montagens regionais americanas (conhecidas como national tours), com os elencos de viagem. A montagem brasileira, inclusive, serve de base para as próximas montagens internacionais do musical, que devem acontecer em Sidney, Austrália, em 2012 ainda, e em Londres, Inglaterra, em 2013. E, pela primeira vez, todo o material de cena foi completamente produzido no país, de cenários a adereços, figurinos e perucas, comumente importados em montagens anteriores.
O mais impressionante, ao se assistir à montagem brasileira, é constatar a total adesão da plateia ao espetáculo. Acompanhamos uma matinê de sábado - notoriamente uma plateia difícil, num espetáculo ‘para a família’, dada a grande presença de crianças - e ficamos gratamente surpresos com o interesse despertado pelo show em todas as idades. Talvez porque a família em questão seja meio politicamente incorreta para os padrões americanos, mas bastante divertida para os padrões brasileiros - a relação apaixonada do patriarca da família, Gomez, pela esposa Mortícia, tem um sabor bastante latino, agradável às nossas plateias.
Isto sem levar em conta o casting do espetáculo, extremamente feliz. Daniel Boaventura, com impressionante domínio de palco e excelente timing para comédia, é um grande Gomez (Raul Julia, da versão cinematográfica, que nos perdoe), e Marisa Orth nasceu para encarnar Mortícia: suas personas se confundem numa simbiose ator/personagem muito divertida (em algumas sessões, o papel de Mortícia é alternado por Sara Sarres, uma das maiores atrizes do teatro musical brasileiro, que tem em seu currículo personagens como Cosette, de Les Misèrables, e Christine, de O Fantasma da Ópera). O elenco se completa ainda com as excelentes performances de Laura Lobo e Beto Sargentelli (Wandinha e seu namorado Lucas), Claudio Galvan (tio Fester), Wellington Nogueira e Paula Capovilla (Maurício e Alice, pais de Lucas), Gustavo Daneluz e Nicholas Torres (alternando o papel do filho, Feioso), Iná de Carvalho (a Vovó), e o surpreendente Rogério Guedes (como o mordomo Tropeço). Tudo isso, mais um elenco de catorze atores e bailarinos que compõem o ensemble.
O enredo do espetáculo é simples: a filha Wandinha cresceu e se apaixonou por Lucas, e quer trazer a família deste para um jantar em casa. Preocupada com as excentricidades da família, pede aos pais que aparentem ser o mais ‘normais’ possível, o que, é claro, gera uma série de situações bastante divertidas. O que eles não sabem é que a família de Lucas, típica família de classe média norte-americana traz, abaixo da superfície, excentricidades também bastante peculiares. Do pai ausente à mãe submissa (Paula Capovilla, num tour de force vocal), tudo acontece sob uma imensa capa de regularidade e ajustamento. Bastam, porém, alguns eventos para que tudo isso venha à tona e se questione: o que realmente é normal?
Já na outra superprodução em cartaz nos palcos paulistas, Um Violinista no Telhado, a família também é o grande foco de atenção do texto. No caso, uma família judia, no começo do século XX, coincidentemente também vivendo uma situação de exclusão: numa Rússia pré-Revolução Socialista, os habitantes da pequena aldeia de Anatevka são constantemente oprimidos pelos cossacos russos. Mas não se trata de um drama; na realidade, Um Violinista no Telhado é uma grande celebração à vida.
Tendo também o casamento da filha como ponto nevrálgico da ação, em Um Violinista no Telhado, Tevye, o leiteiro (papel desempenhado por Zero Mostel na montagem original da Broadway, e por José Mayer - excelente - nesta montagem brasileira), sua esposa Golda (Soraya Ravenle, presença constante nas montagens de Möeller & Botelho) e suas cinco filhas. Por ser um homem pobre, Tevye espera que a casamenteira da aldeia, Yente (Ada Chaseliov, também assídua nos espetáculos da dupla), encontre um bom partido para suas filhas. Mas, como também acontece no outro espetáculo, nem sempre o que os pais planejam é o mais adequado para os filhos, e o destino sempre acaba interferindo.
Um Violinista no Telhado (que estreia para público esta semana) tem libretto de Joseph Stein, baseado em estórias de Sholom Aleichem, e canções de Jerry Bock & Sheldon Harnick, e direção e coreografia originais de Jerome Robbins. Foi um dos espetáculos mais longevos (e mais remontados) da Broadway, além de ter sido transformado em filme, de grande sucesso, em 1971, sob direção de Norman Jewison e estrelado por Topol.
Trata-se de uma história que, apesar de se passar em local e data específicos, tem também apelo universal, ma medida que lida com elementos clássicos do teatro musical: família, amor impossível, pressão social, além de realçar os componentes da intolerância e da exclusão, mas tudo isso numa verdadeira aula de otimismo e bom humor. Canções contagiantes e uma encenação visualmente primorosa tornam esta montagem, que chega agora a São Paulo depois de muito bem-sucedida no Rio de Janeiro, imperdível.
Destaque para José Mayer como Tevye, em impressionantes desempenho vocal e presença de palco, assim como Soraya Ravenle, como Golda, a tradicional mãe judia. Destacam-se também as grandiosas cenas de conjunto, com contagiantes e elaboradas coreografias, assim como o belo desenho de produção: cenários, adereços e figurinos executados com esmero, num lindo resultado.
Ambos os espetáculos são diversão garantida para toda a família. Não deixe de ver!
A Família Addams - Site oficial: www.afamiliaaddams.com.br
Onde: Teatro Abril - Av. Brig. Luís Antônio, 411 - Bela Vista Tel.: (11) 4003-6464
Quando: em cartaz, sem data de encerramento Sessões: 5ªs
e 6ªs, às 21h; sábados, às 17 e 21h; domingos, às 16h e 20h Quanto: de R$ 250 a R$ 70
Um Violinista no Telhado - Site oficial: www.umviolinistanotelhado.com.br
Onde: Teatro Alfa - R. Bento Branco de Andrade Filho, 722 - Santo Amaro Tel.:
(11) 5693-4000
Quando: até 15 de juhlo Sessões: 5ªs e sábados, às 21h; 6ªs às 21h30; domingos, às 17h Quanto: de R$ 200 a R$ 40


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